O ano de 2011, declarado como o Ano Internacional dos Afrodescendentes, só terá sentido se o fruto dos debates deste período servirem para ampliarem as políticas que garantam a liberdade, respeito e desenvolvimento do povo negro. A Conferência de Durban foi o momento em que conseguimos aproximar a pauta internacional de luta de combate ao racismo e construir ações concretas que foram legitimadas nos mais diversos fóruns internacionais, sendo que, as edições do Fórum Social Mundial se tornaram o grande momento de socialização e legitimação da Reparação como bandeira de luta do movimento anti-racista no mundo.
O fato do Brasil ter sido escolhido como sede do Encontro Ibero Americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes, com certeza se deve a diferentes fatores que em nosso entendimento passa por: 1) sermos o 2º pais em população negra do mundo perdendo apenas para Nigéria; 2) estarmos entrando para o terceiro mandato de um governo de esquerda, e que, portanto espera-se que as políticas despontem no combate as desigualdades raciais e sociais; 3) termos um aparelho do estado, a SEPPIR – Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial, criada para traçar políticas que traduzam a igualdade de condições em uma sociedade de desiguais.
Nos últimos 10 anos as forças racistas, nazistas e xenófobas, somada com ruralistas e religiosos pentecostais ortodoxos se proliferaram aumentando de forma sistemática a perseguição a lutadores, lutadoras, ativistas do movimento social de luta antiracistas, sacerdotes, sacerdotisas das Religiões de Matriz Africana, jovens negras e negros, retrocedendo ao ponto de lideranças quilombolas integrarem listas de extermínio em diferentes partes do país. Há um acirramento sistemático nos conflitos sendo positiva a realização do Encontro no Brasil. Se por um lado somos vistos como avançados nas políticas anti-racista, a força de um evento desta natureza devera servir para explicitar os conflitos vividos e as contradições do sistema.
Espera-se, portanto que o Brasil seja cobrado de sua atitude de recuo diante das grandes corporações na disputa territorial. Exigimos mudanças, ações modificadoras da realidade vivida e não de paliativos. É notório que para esta pressão precisamos construir uma frente que não se conforme ou se iluda com as malhas do sistema.
É desta forma que viemos somando esforços diversificados para esta construção, a Assembléia Negra Popular é um exemplo desta busca, reunindo diversos setores da luta negra e popular onde conseguimos apontar os seguintes eixos:
1. Defendemos a Regularização e Titulação Imediata dos Territórios Quilombolas. Propomos a organização de Frente Nacional para uma ação de resistência contra a ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade - número 3239, apresentada pelo Partido Democratas – DEM, contra a Titulação dos Territórios Quilombolas. Esta ação combinada ao desmonte do Estatuto da Igualdade Racial, sancionada pelo governo brasileiro, através da lei 12288 – 2010 se contrapõe a Convenção 169 da OIT, que define ordenamento para os povos indígenas e tradicionais;
2. Garantia do acesso e permanência de estudantes negras e negros ao ensino superior no país. Com o mesmo instrumento jurídico (ADI) as elites brasileiras também representadas no parlamento pelo DEM, buscam derrubar a Política de Cotas Raciais nas universidades publicas brasileiras;
3. Orçamento direcionado e Transparência. Dotação orçamentária e transparência nas ações de Governo e Estado em relação à questão racial e o repúdio à utilização eleitoreira de nossa pauta de luta;
4. Defesa da intervenção do Estado em seu papel de garantir a segurança e proteção de todo povo brasileiro. O acirramento da luta pela impunidade dos crimes de violência de Estado e o genocídio da juventude negra bem como a violência e assassinato de sacerdotisas e sacerdotes, seguidores das Religiões de Matriz Africanas e quilombolas que se tornaram recorrentes em todo o país.
5. Cumprimento dos acordos internacionais firmados. Sendo o Brasil signatário de inúmeras convenções para a defesa das políticas afirmativas no mundo do Trabalho e na Educação.
6. Exigimos a implementação da Lei e criação de mecanismos de cobrança dos entes federados em inadimplência. Há séculos o povo negro no Brasil defende uma educação que valorize os povos africanos em África e na diáspora bem como as civilizações africanas sendo a criação da Lei 10639/2003, que trata da história da África, dos africanos e seus heróis, um grande marco desta luta. A implementação da referida Lei está muito aquém do esperado nestes oito anos de existência.
7. Exigimos do poder público programa de formação constantes dos profissionais da saúde e campanhas publicitárias e atuação de forma preventiva. Apesar das inúmeras exigências em fóruns e conferências a saúde da população negra ainda se configura num grande desafio, é um direito humano, e a exemplo de outras especificidades com políticas e apelos publicitários freqüentes, às doenças de incidências na população negra são guardadas no mais absoluto silencio.
8. Valorização da mulher negra. Política de estado que a rompa com o empobrecimento, exploração e a violência contra a mulher negra, criando condições efetivas para sua formação e desenvolvimento e sobrevivência. Fazem-se necessárias ações que possibilitem o reconhecimento público e a valorização do trabalho doméstico e espaços que possibilitem uma participação qualificada da Mulher Negra no mundo do trabalho e da formação.
9. Liberdade para orientação sexual. Defesa de ações que norteiem o respeito, a dignidade e a liberdade para as mais diversas orientações sexuais. As diferentes opções de relacionamento não são aceitas, ao contrário, são coibidas e punidas com violência e morte, e não se percebe medidas concretas que coíbam esta barbárie.
10. Pauta internacional de luta. Há necessidade de que tornemos nossa luta intercontinental, que ultrapassemos as fronteiras impostas pelo sistema como forma de ampliarmos nosso espectro de forças. Neste sentido este evento deverá servir para que estreitemos laços e apontemos para a construção de uma agenda concreta de mobilização exercendo pressão para realização das conferências internacionais. Torna-se imperativo a retirada das tropas militares brasileiras do Haiti e o reconhecimento que a Europa, os EUA e o Brasil devem Reparação Histórica e Humanitária aos africanos em África e seus descendentes da Diáspora Negra.
Cabe ainda lembrar que as instituições sempre foram mecanismos construídos para impulsionar a luta secular do povo negro através de ações políticas nos mais diversos setores da sociedade, possibilitando a inserção e desenvolvimento de negras e negras no mundo. Estas modificações só poderão se efetivar se houverem nos governos dotação orçamentária com este foco de atuação.
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