segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ministério Público(PR) avalia discriminação em livros didáticos distribuídos pela prefeitura

Coleção de livros distribuída na rede municipal de Londrina (PR) 
promove discriminação contra índios e negros,
segundo parecer elaborado por educadores
e entregue ao Ministério Público daquele Estado.



23/06/2011 | 00:12 Eli Antonelli, especial para o Jornal Londrina 
O Ministério Público deve pedir o recolhimento da coleção de livros didáticos “Vivenciando a cultura afro-brasileira e indígena”, que foi distribuída à rede municipal de ensino, no final de abril, pela Secretaria Municipal de Educação. Segundo um parecer elaborado por professores da rede pública e Fórum de Entidades Negras de Londrina (Fenel), a coleção promove a discriminação contra índios e negros, além de apresentar erros de ortografia, pontuação e falta de relevância pedagógica, entre outras falhas. O parecer foi encaminhado ontem ao promotor de Defesa dos Direitos Constitucionais, Paulo Tavares, que se disse “chocado” com o que viu. “É realmente equivocado e absurdamente ofensivo”, afirma.
Nas últimas semanas, os professores fizeram uma avaliação criteriosa na coleção que foi elaborada pela editora Ética, em 2010. O material deveria atender a lei 10.639/2003 que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira em toda a educação básica nacional. O Município de Londrina adquiriu 13.500 livros que foram entregues no dia 28 de abril, em um evento no Gabinete do prefeito, com a presença da ministra da Promoção da Igualdade Racial Luiza Bairros. Segundo os avaliadores, a ministra não deve ter tido acesso ao material com antecedência, desta forma não pode avaliar seu conteúdo.
O presidente do Fórum das Entidades Negras de Londrina, Edmundo Novais, afirma que até mesmo um leigo consegue identificar as falhas. “A maior parte do conteúdo do material foi retirado na íntegra de sites da internet, muitos até de blogs, onde uma obra deveria primar pela pesquisa e busca do conhecimento científico. Os textos, muitas vezes, são colocados na íntegra na obra”, diz.

Uso do termo ‘língua afro-indígena’ é erro gravíssimo
A professora doutora da UEL, Maria Elena Andrei, aponta que a coleção da Ética traz o termo “língua afro-indígena” (3º ano, página 14) “É um erro gravíssimo, pois conduzem à crença errônea de que há no Brasil uma língua falada apenas por ‘afro-indígenas’. Não existe cultura afro-indígena. Existem culturas de matriz africana e de matriz indígena. E cada uma dessas matrizes diz respeito a povos muito diversos e a culturas muito variadas”, destaca. Entre os erros de conteúdo, o parecer entregue ao Ministério Público aponta que a história da África é omitida, da mesma forma que os conhecimentos e tecnologias de origem africana. O documento destaca que essa postura teórica contribui na construção do efeito de que não existiam história ou saberes africanos antes da chegada dos europeus. Destaca ainda que com o conteúdo apresentado, a história dos negros se inicia na escravidão. Uma das falhas apontadas com gravidade é que em nenhum dos volumes há apresentação da África como continente, de modo que sejam citados países africanos, com especificidades culturais, geográficas ou humanas, mas sim situações generalizantes em que pessoas ou objetos simplesmente são definidos como africanos. O parecer traz como exemplo trecho do livro do 5º ano (página 12): “A música abaixo traz uma riqueza de conhecimentos sobre a África, país de nossos ancestrais.”
Além disso, segundo a comissão, o material está carregado de preconceito. Os avaliadores afirmam que índios e negros são retratados como seres inferiores, reforçando a valorização da cultura branca. Uma das ilustrações traz um menino branco urinando sobre um menino negro. Segundo os avaliadores, não há texto complementar que auxilie na discussão sobre a imagem.
De acordo com a comissão, há erros de informações e situações que geram ainda mais preconceito. Um exemplo, segundo Novais, é de um texto onde o movimento social é apresentado como movimento de pobre e que o movimento negro é racista. Até informações sobre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, levam o aluno a crer que ele é afro-brasileiro.
A Secretaria Municipal de Educação disse que apenas fez a distribuição dos livros e que o trabalho foi realizado pelo Conselho de Promoção de Igualdade Racial de Londrina. A gestora do Conselho, Fátima Beraldo, afirmou que também integra o Fenel, afirma que não foi convidada para análise do material e nem consultada para que pudesse avaliar e contribuir no processo durante as reuniões que originaram o parecer entregue no Ministério Público. “O livro didático é uma ferramenta para o professor em sala de aula e ele não substitui a importância da complementação do professor”, justifica. Ela diz que, por meio do Conselho, a Prefeitura já está providenciando a capacitação dos educadores. A gestora informa ainda que se há falhas no material é possível sim o acesso à editora para que essa possa providenciar a sua correção.

O promotor Paulo Tavares afirma que está esperando um parecer dos professores da Comissão Universidade para os Índios (Cuia) da UEL sobre a questão indígena. Segundo ele, o material está sendo avaliado e o resultado deve ser entregue na próxima semana. “Depois disso, provavelmente,vamos encaminhar à Secretaria de Educação o pedido para recolhimento de todos os livros.”

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