Nelson Mandela
Nascido em 18 de julho de 1918 em Mvezo, uma aldeia minúscula situada às margens do rio Mbashe, no distrito de Umtata, a capital do Transkei, cantado em prosa e regge pelo Brasil e pelo mundo afora como homem e como líder, Nelson Rolihlahla Mandela é o melhor estadista deste século.
Quando ainda estava na prisão, motivou campanhas, no Brasil e no mundo. Nas celebrações de sua libertação, todos reconheceram, naquele rosto sorriso largo, um aliado, um líder capaz de generosidade, persistência e insubstituível experiência.
Madiba, como é carinhosamente chamado entre o seu povo, os xhosas, pode ser traduzido por "o velho". Quando o seu clã a ele assim o se refere, trata-se de uma forma de respeito por seus ancestrais.
Ele não tem aspiração a santos e sabe de seus limites humanos. Por isso faz da ética a generosidade referência para a sua ação política.
Na maioria das tradições africanas, o poder á vitalício, transmitido segundo o desejo do dirigente. Mandela usa seu poder pessoal, para, por meio de processo democrático, assegurar a indicação de seu sucessor, Thabo Mbeki.
Como diamante puro, forjado sob pressão, o presidente sul-africano trata com grandeza o exercício do poder e, da mesma forma, os atos cotidianos e os assuntos considerados tribais.
Superando os limites do acanhamento machista, teve coragem de revelar mais de uma vez, em público, sua necessidade de amor, sobre tudo durante sua separação de Winnie Mandela, assim como no processo de seu namoro e casamento com Graça Machel.
Ele não deixa de ser o ator político flexível para construir caminhos de paz e de desenvolvimento, ao mesmo tempo, ao mesmo tempo que tem sido intransigente no processo de desmonte do apartheid, no menor tempo histórico possível.
Pata todos os povos de origem africanas, e certamente para os africanos, Nelson Mandela representa a principal referência de liderança porque projeta para o futuro possibilidades de fazer da desigualdade, do sofrimento, da humilhação, do encarceramento, da desumanização, o ponto de partida para o exercício da desigualdade, para a expressão da alegria, para a conquista do poder e, sobretudo, para o exercício do poder com valores que promovem a inclusão.
Ao lado de Samora Machel, Patrice Lumumba, Martin Luther King, Malcolm X, Esteve Biko, Kwame Nknumah, Zumbi dos Palmares, Maurice Bishop, Agostinho Neto, ele integra o panteão dos heróis negros dos afro-brasileiros.
O fato é que, se a África do Sul apresentou para o mundo, sobre tudo nos anos 70 e 80, o que de pior se pode estruturar como sistema político de Estado, do ponto de vista da negação dos direitos humanos e da exclusão de grupos humanos, de lá veio também a possibilidade de reconstrução de uma sociedade multiracial.
Foi Nelson Mandela o líder capaz de conduzir esse processo, repartindo o poder, a esperança, a perplexidade e os problemas com o maior numero possível de líderes, aliados ou de oposição, conciliando as diferenças, denunciando as deslealdade, evitando mais rupturas e consolidando lideranças.
Como presidente de 40 milhões de pessoas, ele não só conduziu honradamente o processo de reconstrução da cidadania e dos valores da democracia abalados pelos anos de apartheid, como também criou políticas como o "orçamento de gênero", com o combate à distribuição desigual dos recursos público para mulheres.
Liderou o processo de reorganização dos negros de seu país e de outros grupos excluídos por origem étnica, como os indianos.
Ao sair da prisão, após 27 anos, Mandela escolheu o Brasil como um dos primeiros países a visitar e afirmou que iria fazer da África do Sul uma sociedade como a nossa.
Muitos torceram o nariz, pois estávamos no inicio do processo de demolição do perverso mito da democracia racial, que por muitos anos imobilizou a sociedade brasileira, impedindo um tratamento mais honesto das relações raciais e, sobretudo, punindo negros.
Não foi ingenuidade ou falta de compreensão do processo brasileiro. Várias vezes ele expressou sua preocupação por não ter tido a oportunidade de publicamente esclarecer, no Brasil, suas reflexões.
Certamente falava da imensa possibilidade que percebe no Brasil, e que representa a base dos conceitos com que conduz seu governo, ao construir mecanismo para que vários segmentos humanos superem a desigualdade históricas e compartilhem, sem limites de afetividade, muito além de relações formais de direitos iguais ou baseadas na tolerância, a rica diversidade humana e cultural em nações multiculturais.
Sempre que solicitado, ele nunca se furtou a apoiar os descendentes de africanos em qualquer parte do mundo. Atendeu a solicitação dos afro-americanos e, em sua Segunda visita ao Brasil, ao completar 80 anos, assinou a placa de lançamento do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, juntamente com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Mandela é amado e respeitado pelos negros brasileiros por sua própria história de luta, mas, sobretudo, porque resgata para o imaginário da humanidade as grandezas da África e desfaz as imagens desqualificadas dos africanos e seus descendentes.
É o estadista que cumpre todas as formalidades necessárias e também dança com a leveza e a dignidade ritualística dos povos que consideram a natureza, inclusive a humana, como provedora de oportunidades para o contato com o divino, com o sagrado.
Nelson Mandela, Madiba é uma figura política fundamental porque apoia a construção da auto-estima de cada negro e de cada ser humanos, ao estimular que sejamos, todos, melhores ancestrais para aqueles que virão construir a história de nós.
Dulce Maria Pereira – Arquiteta e ex-presidente da Fundação Palmares
Publicado no jornal Folha de São Paulo de 30 de maio de 1999.